sábado, 20 de junho de 2015

Oito Princípios que cristãos poderiam adotar em suas atividades públicas

Existem valores cristãos que podem melhorar nosso país?

Sim, existem!

O Cristianismo não nasceu como uma fé teocrática terrena como a fé judaica.  O judaísmo daqueles dias não conhecia a divisão Estado/Igreja, não se concebia uma fé desvinculada das estruturas governamentais. Mesmo Roma ou os Estados Helênicos eram religiosos, embora não contassem com o tipo de estrutura sacerdotal que havia em Israel, neles o rei ou imperador era Divino, e no caso de Roma, o Sumo-sacerdote da fé imperial.

Mesmo assim a fé cristã, como qualquer outra fé, tem valores que sabiamente aplicados podem melhorar o convívio em sociedade. O cristianismo nasce na tradição de valores sociais do rabinismo judaico, herdeiro dos grandes mestres de sabedoria do passado, como os que escreveram o Livro de Provérbios.

A LEI judaica era o cerne da vida religiosa daquele povo, ela encerrava os aspectos morais, éticos, cívicos e rituais da vida. A Lei punia os desvios morais. Porém a gente sabe que lei nenhuma pode criar uma moral de fato, na vida privada, longe dos olhos censores, as pessoas continuarão a dar vazão aos seus desejos (sobre isso ver A Igreja do Diabo, conto de Machado de Assis). Consciente disso, surgiu uma literatura de moralidade, de sabedoria, que aconselhava a prática ética e moral. A ética judaica aconselhava a prática da JUSTIÇA e da EQUIDADE. Administradores, e o homem comum, eram instados a “seguir a justiça” (Provérbios 21:21), a não ter “dois pesos e duas medidas”, ou seja, ética nos negócios e no comércio. No campo moral as pessoas eram aconselhadas a dominar seus apetites, não bebendo ou comendo muito, não mentindo, evitando o adultério, etc.

Os profetas judaicos denunciavam o desiquilíbrio social. Isaías (Is 5:8) critica a prática do latifúndio:

“Ai de vocês que adquirem casas e mais casas, propriedades e mais propriedades até não haver mais lugar para ninguém e vocês se tornarem os senhores absolutos da terra”.

A Lei previa que a terra de Israel era “herança” do povo, e que ela obedeceria a uma “função social” . Ela não deveria ser fruto de especulação. Existia uma série de regras de utilização, como a que especificava o descanso da terra em anos sabáticos a fim de preservar sua fertilidade. Regras muito sábias e justas.

O cristianismo não tem regras tão específicas sobre temas sociais, mas é herdeiro da literatura judaica e da sua noção de “justiça”. De certo modo, há duas noções de “justiça” no Novo Testamento. Uma relacionada à soteriologia, o estudo da redenção, da salvação. E outra no seu sentido social. A partir desse último sentido, é possível, por analogia, determinar valores sociais aplicáveis.

Lembremos, o Cristianismo tem uma moral como sistema interno e individual de valores e uma ética, que é a forma de atuação numa sociedade plural. A moral sexual é um tema “interno” do cristianismo. Quando ela olha para fora, para o “mundo”, é apenas para analisar e comparar com sua própria prática. Não existe mandamento no cristianismo bíblico que ordene a imposição de valores morais na sociedade ao redor. O cristão entende que ele pratica uma certa moralidade porque o Espírito Santo atua no seu interior produzindo nele a Mente de Cristo, cooperando com sua vontade de operar essa moralidade.

A ética cristã nasce do conceito judaico de justiça e equidade, entretanto, como eu disse, não há ordem direta para uma ética de sociedade porque não havia intenção de construir o reino no mundo. O Cristão antigo era alguém que vivia na iminência do fim do Sistema do Mundo, aguardando o Milênio, em que Cristo seria Rei supremo.

Mesmo assim existem vários princípios que podem, por analogia, ser aplicados nas relações sociais. Antes de começarmos, eu gostaria que você entendesse “lei” no texto como uma “força regulamentadora”. Nesse sentido eu uso “lei” numa relação que está entre a lei judaica e as leis modernas. Você pode entender “lei” como “ a coisa certa”, as “exigências formais”. Vamos lá!

1- A Honestidade como um VALOR não só diante de Deus, mas dos homens.

Queremos evitar que alguém nos critique quanto ao nosso modo de ministrar essa generosa oferta, pois estamos tendo o cuidado de fazer o que é correto, não apenas aos olhos do Senhor, mas também aos olhos dos homens.
2 Coríntios 8:20,21.

Paulo recebera uma “oferta” dos Coríntios nessa ocasião, e considerava que deveria agir de uma modo que fosse transparente diante das pessoas. Esse é um valor de honestidade, de transparência. Esse é um critério excelente nas relações públicas.

2- O conceito de que a LEI se cumpre no AMOR.

“Toda a lei se resume num só mandamento: "Ame o seu próximo como a si mesmo". Gálatas 5:14

Isso pode ser visto de duas formas. A primeira é objetiva, você amando as pessoas cumpre toda a gama de deveres que se deve nas relações sociais com outras pessoas. O “amor” bíblico tem um sentido de ação, ele não é um sentimento como estamos acostumados modernamente. “Amar” significa “agir”, significa aplicar a vontade num sentido benigno, não olhando os atos, mas a pessoa.

A segunda forma de entender isso é subjetiva. Entendemos o “amor” como a aplicação do bem a todos, é assim que se ama. Então, um cristão na esfera pública, age de modo a que seus atos redundem no BEM GERAL. Portanto, a “força moralizadora”, a LEI, cumpre-se em atos que redundem no bem. O bem é o bem geral, pois a Bíblia ensina a amar até o “inimigo”, ou seja, aquele que não tem as mesmas convicções que você. Logo, você só pode “impor” a essa pessoa o “amor”, um ato que redunde em seu bem. Isso é moral num sentido em que você agiu de modo a dar uma satisfação ao seu coração, mas na sociedade é ético, pois você provocou um bem.

3- Fazer na Terra é fazer no céu. Um ato mundano justo é um ato ao próprio Deus.

“Tudo o que fizerem, façam de todo o coração, como para o Senhor, e não para os homens”. Colossenses 3:23

Esse princípio ensina que as coisas devem ser feitas com dedicação, com seriedade, mesmo aquelas que reputamos como não religiosas. Nesse sentido, um ato público é um ato religioso e se você age de modo corrupto no mundo, mesmo que suas “intenções” sejam cristãs, você ofende a fé que pensa estar manifestando. Antes das minhas relações com partidos, com grupos, com interesses, está a norma da “lente de Deus”. Aquilo é algo justo? Se não é justo, ou seja, se não redunda no bem geral, não é digno. Logo, é uma ofensa à natureza do Deus que eu digo honrar com meus atos.

4- O amor a Deus se manifesta no amor às pessoas:

“Se alguém afirmar: "Eu amo a Deus", mas odiar seu irmão,é mentiroso, pois quem não ama seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê”. I João 4:20.

Não existe “dever religioso” em detrimento do ser humano. Você sabe que deve amar o próximo, e que deve amar a Deus. Lembre que amor é ação! Entretanto, você só pode amar a Deus no próximo, de modo que amar a Deus e ao próximo são conceitos que se fundem.

Você ama o próximo agindo pelo bem dele. Por esse princípio, a pessoa pública cristã deve agir mesmo em favor daqueles que parecem estar do outro lado do campo. Seus atos não podem ser apenas pelo interesse da sua igreja ou grupo, precisa ser um ato de bem social elevado. É assim que o cristão torna um país melhor e não tentando aplicar sua moralidade.

5- Sem acepção de pessoas nem favoritismo.

Meus irmãos, como crentes em nosso glorioso Senhor Jesus Cristo, não façam diferença entre as pessoas, tratando-as com favoritismo. Suponham que na reunião de vocês entre um homem com anel de ouro e roupas finas, e também entre um homem pobre com roupas velhas e sujas.Se vocês derem atenção especial ao homem que está vestido com roupas finas e disserem: "Aqui está um lugar apropriado para o senhor", mas disserem ao pobre: "Você, fique de pé ali", ou: "Sente-se no chão, junto ao estrado onde ponho os meus pés”, não estarão fazendo discriminação, fazendo julgamentos com critérios errados? Tiago 2:1-4 

Uma vez eu estava diante de uma pessoa responsável por aplicar a justiça. Eu estava ali injustamente, e ela sabia disso. Ela foi justa comigo, mas me disse que infelizmente não conseguia aplicar a justiça em pessoas com certo poder, embora tentasse isso. É o velho falar popular que “pau que bate em Chico não bate em Francisco”.

Não fazer acepção de pessoas, no sentido bíblico, é não considerar o status ou posição da pessoa quando da aplicação da justiça ou na hora de fazer algum bem. Esse é um grande mal em nosso país, pessoas humildes são punidas e criminosos poderosos não recebem a devida pena. Pessoas humildes passam horas em cadeiras duras ou em pé para receber um atendimento médico precário, enquanto políticos são tratados a pão de ló, com gabinetes imensos e infindáveis regalias. Um cristão que queira aplicar seus valores na sociedade, tem o dever de minimizar esse estado de coisas, tratando as pessoas com equidade, equilíbrio e justiça. As pessoas poderosas ainda terão a honra de sua posição, mas sem os desequilíbrios que vemos. Do mesmo modo o cortesanismo e servilismo barato acaba, pois a balança deve estar sempre equilibrada.

6- A pessoa pública deve ser modelo.

“Pois vocês mesmos sabem como devem seguir o nosso exemplo, porque não vivemos ociosamente quando estivemos entre vocês, nem comemos coisa alguma à custa de ninguém. Pelo contrário, trabalhamos arduamente e com fadiga, dia e noite, para não sermos pesados a nenhum de vocês, não por que não tivéssemos tal direito, mas para que nos tornássemos um modelo para ser imitado por vocês”. 2 Tessalonicenses 3:8,9

Como acima, o ensino aqui é aplicado por analogia. Paulo entendia que a pessoa em evidência, seja quem for, é um modelo. Ele mesmo vivia uma vida pedagógica (sejam meus imitadores!). Esse princípio deve ser regra para qualquer pessoa de expressão, seja em que área for, mas é acima de tudo um imperativo para quem se diz cristão.

Embora ele pudesse ser um “peso” às pessoas, ele preferia trabalhar com as próprias mãos. Isso implica em que cristãos devem trabalhar a dignificar sua função pública e serem produtivos. Se você ocupa um cargo público, deve ter em mente que isso não é para você engordar economicamente, mas para criar um ambiente de bem estar e deve, ainda mais, ter em mente que suas ações têm caráter pedagógico. Um político corrupto corrompe a sociedade em que está inserido. Sempre se fala que nossos políticos são corruptos porque nossa sociedade é corrupta. Isso é verdade, entretanto, eles, os políticos, também possuem a capacidade de produzir uma sociedade mais justa, seja por seus atos diretos, seja pela influência pedagógica de suas ações.


7- Não se intrometer na vida alheia.

“Pois ouvimos que alguns de vocês estão ociosos; não trabalham, mas andam se intrometendo na vida alheia”. II Tessalonicences 3:11.

O sentido aqui é que as pessoas não trabalhavam e ocupavam seu tempo livre em mexericos, falando e julgando a vida dos outros. Vamos pensar esse conceito na vida pública. Antes de tudo, o político deve trabalhar num sentido amplo, para todos, com ética. A moral deve circunscrever-se ao seu círculo. Hoje os políticos cristãos, em sua maioria, estão preocupados em cuidar da vida alheia, tentando criar  nos outros um modelos de moralidade que nem eles têm. Vamos, portanto, trabalhar no sentido ético, com amor, e cuidar da nossa vida no sentido moral, com reflexão.

8- Uma reputação ilibada reconhecida por quem é “de fora”.

“Também deve ter boa reputação perante os de fora, para que não caia em descrédito nem na cilada do diabo”. I Timóteo 3:7.

Esse é um critério para a instituição de um “bispo”, ou seja, uma autoridade eclesiástica.  O princípio claro é de que a pessoa deve ter uma boa reputação diante das que estão de fora. Se um “bispo”, que é alguém que atua na comunidade cristã, precisava ter reconhecimento social, quem dirá o político cristão. Lembrem que atuar no mundo é um ato religioso, conforme o princípio 3 acima. Embora o Cristianismo tenha o embrião do laicismo estatal, na sua essência ele não vê a atividade “mundana” como algo diferente da atividade “sacra”. Laborare est orare (trabalhar é orar), diz o provérbio latino de origem benedidina.

Uma reputação ilibada não se constrói com intrigas de poder, mas com justiça e seriedade. Se a opinião da sociedade tem essa importância dentro da realidade da igreja, quem dirá das ações praticadas em nome dessa igreja na sociedade!

Conclusão

Os conceitos acima, como eu disse, são aplicados por analogia, por comparação. E são uma pequena amostra.  Mesmo assim são valores que perpassam a Bíblia toda e que podem ser úteis. Em vez de se concentrar em alguns poucos pontos de moralidade, o cristão manifesta uma ética que tem em si a semente de sua própria moralidade internalizada, mas que, por ter a justiça como modelo e o amor como guia, acaba por manifestar o bem que é amplamente desejado mesmo por aqueles que não compartilham da mesma moralidade que os cristãos.

Hoje muitos grupos cristãos estão agindo de forma equivocada, pois foram confundidos por personalidades midiáticas que trocaram a ética por alguns poucos conceitos de moralidade e inverteram totalmente a ordem das coisas como sempre foi entendida pela teologia cristã. Ou seja, de que a moral, conforme a Bíblia orienta, é produzida a partir de um relacionamento com Cristo, que ela não existe, a moral cristã, sem essa experiência.



Espero ter sido claro nessa tentativa de por no papel a minha visão “global” do assunto e desejo que esses conceitos possam ajudar a demolir um pouco dos muros que pessoas estão construindo entre cristãos e todos os outros atores da realidade brasileira.

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