sábado, 31 de maio de 2008

Igreja da liberdade

Igreja da liberdade

O conto que segue não é real, mas exemplifica algumas coisas que vejo na igreja e nesta comunidade, a intenção é debater.


Um dia desses, enfadado das paredes do meu quarto, resolvi sair para dar uma volta. Era uma fria noite de inverno, a lua, cheia, ia alta no céu, um vento gelado açoitava-me o corpo e a alma... Imerso nos meus pensamentos, perdido num mar de comiseração e saudade deixei-me levar pelas pernas como uma folha pela correnteza. Pesava-me a vida, pesava-me o "eu" desperto capaz de entender a maldade ao redor, dos murmúrios secos do meu espírito emanava um ardor, um desejo. Minha alma sedenta de paz. Como que caindo em mim achei-me numa rua estranha, caminhei por ela certa distância atraído por um som familiar, mas desconhecido. Eu estava diante de um prédio pintado em cores psicodélicas, luzes multicoloridas escapavam pelos vitrais das janelas. No alto uma placa dizia "Primeira Igreja da Liberdade".

Antes que eu fizesse alguma coisa um rapaz saiu do prédio, me tomou pelos braços e me conduziu para dentro, entrei como uma ovelha muda. Não havia bancos, mas mesas redondas distribuídas irregularmente num vasto salão, no alto um globo de luz jorrava raios muticoloridos, na frente um palco que eu logo associei a um púpito. Um odor forte preenchia o ar. Um homem me abraçou e me deu as boas vindas e me perguntou se eu preferia a área de fumantes!?
Neguei essa estranha oferta. Então percebi que o odor que sentia era a mistura de tabaco e de canabis..Canabis??? Maconha. Ao meu redor espectros passavam, figuras humanas perdidas, seres das profundezas abissais, gente sem identidade, zumbis sem nome.

Um placa enorme em neon cobria a parede atrás do "púlpito":
"PARA A LIBERDADE FOI QUE CRISTO NOS LIBERTOU"
Não faltava algo naquela frase? Sentei-me em uma das mesas, vieram me oferecer uma bebida, rejeitei, "não bebo"- disse.Nesse momento um movimentação me chamou a atenção para a frente, um homem que eu logo identifiquei como o pastor daquele rebanho subiu ao púpito. Ele vestia um terno negro com chamas estilizadas, cabelo raspado, um cigarro numa mão e um copo de cerveja na outra. Dois brincos enormes pendiam de suas orelhas unidos por uma espécie de corrente que passava abaixo de seu nariz. Todos bateram palmas. O homem começou cantando algo em inglês, a banda o acompanhou, era "The number of the beast", um metal estranho. Depois que terminou começou a dar graças pela liberdade, perguntou se todos estavam servidos.
Mandou que dois homens se levantassem e agradeceu a Deus pela feliz união dos dois rapazes celebrada por ele dias antes, "o Amor não tem sexo"- gritou! A mutidão enebriada urrou louvores à fala do "Pastor". Depois disse ele começou uma "pregação", as palavras me fugiam, mas pude reter um "para os puros tudo é puro". Notei casais que se amassavam aos meus lados. Um rapaz enfiava as mão pelas roupas de uma moça, aquilo me repugnou...
A banda tocava frenéticamente os grandes sucessos da humanidade, uma mistura estranha de rock, samba, pop e gospel. Muitos dançavam numa pista no meio do salão. meninas de minissaia recolhiam ofertas pelo salão. Um projetor lançava imagens numa parede, propaganda de lojas, de políticos- um desses, dizia o anúncio, membro daquela irmandade, e imagens obscenas. Tudo é puro para os puros, a moral é uma invenção humana. Jesus veio libertar os homens das imposições das religiões, Deus criou a maconha para o nosso deleite, vociferava o pastor.

As imagens começaram a se turvar, minha vista escureceu, cai ao solo, o mundo rodopiava diante dos meus olhos, sentia o Inferno e a Morte...

Tudo voltou ao normal, eu estava no meu quarto, atônito e suado. Caí logo de joelhos e orei como nunca tinha orado, pedia desesperadamente perdão e libertação dos meus conceitos errados de LIBERDADE.

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