sábado, 26 de julho de 2008

Um estranho entre nós.

"Então dirá, também, aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e os seus anjos; Porque tive fome, e não me destes de comer, tive sede, e não me destes de beber; Sendo estrangeiro, não me recolhestes; estando nu, não me vestistes; e enfermo, e na prisão, não me visitastes. Então eles, também, lhe responderão, dizendo: Senhor, quando te vimos com fome, ou com sede, ou estrangeiro, ou nu, ou enfermo, ou na prisão, e não te servimos? Então lhes responderá, dizendo: Em verdade vos digo que, quando a um destes pequeninos o não fizestes, não o fizestes a mim". Mateus 25:41-45

Um raio rasgou o véu da realidade e explodiram turbilhões coloridos em densas trovoadas.


A noite estava negra com o céu nublado, diante dele as placas de néon anunciando o comércio das almas impolutas.

Ergueu-se sobre as pernas trêmulas. Pernas? A sensação era nova. Diante da vidraça viu sua imagem, boa demais. E foi murchando...

Era belo? Ou agora igual a qualquer outro dos miseráveis que rastejam nos esgotos sociais dali? Não se via diferença entre ele e o mais vil rastejador, entre ele e o viciado em crack, entre ele e os fétidos mendigos. Não havia odor de verdade, nem sujeira ou droga, tudo era aparência.

E andou naquela noite fria.

Sentou-se à porta de uma lanchonete. Iam e vinham e ele ignorado. Um deles chutou-lhe a perna e entrou divertido.

-Pega um pedaço! – disse-lhe um outro seu igual. Estendia o pedaço de pão com um sorriso amistoso- Pega homem!

Pegou e conversaram animadamente um bom tempo. Um degenerado? Um vagabundo? Não, um excluído vivendo à parte de tudo. Contou-lhe sua história. Cinco anos nas ruas comendo dos restos, dormindo sob as marquises. Agora estava bem. Antes ficara desempregado, fora caminhoneiro, viajava muito pelo Brasil, viu e ouviu muitas histórias. Um dia chegou mais cedo em casa, estranho, na frente um carro. As crianças trancadas no quarto. E no seu leito um outro homem. Gritos. O visitante fugiu, a mulher chamou-lhe traste e jogou suas roupas na rua. Dormiu no caminhão, o coração numa amargura sem tamanho. Ao outro dia foi à casa trazendo na face o perdão. Encontrou a casa vazia, a mulher se fora com seu amante e levara as crianças. E desde esse dia tivera por companheiros apenas os seres negros e rejeitados que erram de madrugada.

Silêncio.

Mas ele ouviu, ele podia ouvir as lágrimas descendo. Podia ver o coração e a desilusão. Porque eles deixam um homem assim? Não lhes foi ordenado que trouxessem alívio e paz a esses seres?

-E onde você dorme? – perguntou-lhe.

-Na porta da igreja.

Tocou-lhe a face e baniu a tristeza.

E foi-se pela noite fria.

“O clarim que chama os crentes, a batalha já soou, Cristo à frente do Seu povo multidões já conquistou”.

-Se que ouvir fica aí do lado de fora – Disse o gentil porteiro.

Ficou ali do lado de fora.

-Mãe, olha é Jesus! Disse a menininha ao vê-lo.
-Não minha filha, não é Jesus não. Jesus é lindo e não cheira mal, é só um mendigo barbudo.

Ele sorriu para a criança, os olhinhos brilharam. Quando passava estendeu a mãozinha gorda para ele. A mãe puxou-lhe o braço assustada, “está cheio de germens”, pensou.

E foi-se para dentro do templo, o rostinho sobre o ombro lançava-lhe um sorriso inocente.

Um homem entrava, olhou-o com asco, mas simulou compaixão. Do alto da sua prosperidade olhava o aviltado mendigo, sentiu um certo prazer, o contraste deu-lhe prazer. Olhou seu belo carro, e os pés descalços do homem. Seu belo terno e aqueles andrajos. Ele sim era abençoado, tinha tudo que queria. Agradeceu no íntimo aquela visão.

-A PAZ DO SENHOR meu irmão! Saudou o porteiro com um abraço efusivo.

Do púlpito vieram buscar-lhe com honra para o primeiro lugar e o pastor saudou com alegria aquele grande preletor e sua família.

E cada pessoa que passava olhava-o com nojo, apenas um jovem lhe deu uma moeda.

E ele via que era bem pobre, o porteiro saudou-o entre os dentes, mas o jovem feliz sentou-se numa das primeiras fileiras. E via-lhe o coração e como dele fluía constante adoração e louvor.

Num momento viu longe, como aquele rapaz abalaria a igreja. Viu toda a rejeição porque passaria, viu ele e a futura jovem esposa ajoelhados na madrugada clamando pelo filhinho doente. Viu-lhe exaltado, e viu seu coração como naquele momento, viu tudo e sorriu.

Passaram ao pregador. Depois dos minutos de elogio, da construção de uma aparência de humildade, indicou um texto na Bíblia:

-Epístola aos Hebreus, capítulo treze, versículo dois, apenas a parte “bê” do versículo. Indicou.

-A minha Bíblia – a voz alterada simulando emoção- diz : “Alguns não o sabendo hospedaram anjos” você pode dar um glória a Deus?

- Deus no decorrer da história bíblica enviou centenas de anjos para abençoar seus servos, anjos vieram mostrar a Abraão o destino das pérfidas cidades de Sodoma e Gomorra - vociferava o pregador. A sua voz alterada e a face fechada mostravam indignação contra os antigos Sodômios e Gomorritas.

E durante trinta minutos derramou todo o seu saber bíblico e seu poder de persuasão.

-E Deus enviou seus anjos nesta noite para te abençoar, aleluia!

Vieram muitos para a frente, até a mãe da menininha. E o pregador via os anjos “pelos olhos da fé”.

Fim de culto, o pastor indicou a cantina.

Ele foi até lá e ficou por ali. Um dos homens pediu-lhe que saísse, ofereceram algo para comer, desde que ele deixasse o local, sua aparência inibia as vendas.

Já vira o bastante. Saiu e a noite brilhou com um relâmpago. A energia caiu e ao outro dia alguns relataram um objeto brilhante rasgando os céus da cidade.

O jovem vinha pela rua, viu o mendigo na porta do bar. Sorriu-lhe, sentou ao seu lado, falou-lhe de um homem que muito tempo atrás andara pelas ruas empoeiradas, um grande homem que não tinha onde repousar a cabeça, mas que era Senhor do Universo todo. E ficaram ali durante uma hora. E oraram juntos.

Meses depois um homem limpo e bem arrumado para em frente à porta daquele bar, é dia e o estabelecimento está fechado. E lembrou de uma noite em que ali estivera e de um certo jovem. E fechou os seus olhos, lágrimas desceram, e ele disse num sussurrar sincero:

-Obrigado Jesus!





Um comentário:

Miriã Soares disse...

Comovente!!! Deus te abençoe, irmão...

Shalom!

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